Ricardo Gontijo: Os desafios de uma empresa familiar no mercado imobiliário

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Ricardo Gontijo e a empresa que virou sinônimo de sucesso entregando mais de 140 mil unidades pelo país.  Confira a transcrição da entrevista completa abaixo.

Conte um pouquinho para nós da sua história.

Eu nasci em 81, em agosto, e a direcional foi fundada pelo meu pai em fevereiro de 81. A empresa começou muito pequenininha, era meu pai e minha mãe originalmente, os dois eram engenheiros civis. Eles se conheceram em uma empresa que meu pai trabalhava e que minha mãe era estagiária. E quando a Direcional foi fundada, os dois começaram a empresa, então meu pai mais na parte de produção de negócios e minha mãe na parte de retaguarda da parte financeira. A empresa que começou, basicamente, com o segmento de construção pura. Boa parte de incorporação, efetivamente, teve início no final dos anos 80 e a empresa já tinha um certo capital para investir em terreno, na própria condição na obra e tal.

Quando foi o momento em que perceberam que vocês tinham alguma coisa com muito mais musculatura?

Eu acho que o grande pulo da Direcional, ou o momento especial na nossa história, foi decorrente da situação, do conhecimento, do nível de maturidade que a empresa tinha ali por volta de 2007 e 2008, mas também tem muito a ver com o contexto de país que a gente vivia, onde o juros estava caindo dramaticamente naquele momento, emprego crescendo de forma bastante forte, a disponibilidade de crédito imobiliário de 2005 para frente cresceu muito, o país passou a ser muito mais previsível. E aí a gente passou por um processo de private placement, onde um fundo adquiriu 25% do capital da empresa. Isso foi em 2008. E, na sequência, em 2009, a gente passou pelo processo de abertura de capital e depois em 2011 um follow-one. Mas eu diria que essa primeira injeção de capital e o convívio com o fundo, com o novo sócio, foi um aprendizado muito grande. 

Como é que foi a sua aculturação dentro do mundo da engenharia?

Eu ia para a escola, em geral era de manhã, mas eu saía da escola, minha mãe me buscava e me levava o canteiro de obras. Então, eu vivi isso a vida toda e quando você me pergunta um pouquinho da história, isso foi tudo que eu vivi primeiros 18 anos de vida. Talvez eu nunca tenha vivido outra coisa, mas eu amo que eu faço e deu tudo certo. Aí em 99 eu fiz o vestibular e comecei a curso de engenharia civil em 2000. E é até curioso que meu pai sempre falou "você não vai trabalhar na Direcional agora por quê aqui você vai ser filho do dono e as pessoas não vão chamar sua atenção, não te ensinar o que tem que ser ensinado, vão, de certa forma, te proteger". Durante o período de universidade eu estagiei em diferentes empresas e diferentes áreas, mas sempre empresas que eram de certa forma referência no setor, mas onde eu era uma pessoa que não tinha um padrinho, era uma pessoa normal ali dentro. E eu vim para a Direcional efetivamente seis meses antes da minha formatura.

Em que área você começou?

Apesar de eu ter feito curso de engenharia e ao longo do processo de formação da universidade eu ter trabalhado sempre em empresas voltadas para a área de construção, quando entrei na Direcional fui para a área comercial. Então entrei na área comercial, originalmente na área de vendas, e acho que foi um aprendizado enorme também, nunca tinha vivido isso. Então eu entrei na Direcional em 2004 e realmente o setor passou para um movimento ou por um momento transformacional de 2007 para frente. Talvez tenha sido o maior aprendizado nosso esses 18 meses, aproximadamente, entre a entrada do fundo e abertura de capital. Foram 18 meses de mudanças culturais enormes e de profissionalização da empresa. E aí chegar chega a London Business School que foi em 2012. Eu diria que eu já tinha passado por um caminhozinho onde a gente teve que vencer diversos obstáculos e já tinha um aprendizado bem significativo quando eu fui para Londres.

Com a entrada do fundo, realmente você conseguiu preparar empresa para outro nível de governança. Acha que isso ajudou?

Sem dúvida nenhuma. Eu acredito que em termos de aprendizado, de amadurecimento da empresa, a entrada da Tarpon, esse aumento de capital privado na Direcional ali em março de 2008, para mim profissionalmente talvez tenha sido um dos momentos de maior crescimento. Então, eu acho que a gente passou por um processo de amadurecimento muito grande onde a gente tinha um privilégio de poder ter discussões somente entre duas partes, não afeta valor de ação na bolsa, nem nada disso. Mas por outro lado, a gente também tem uma cobrança e um nível de exigência muito alto, e de implementação do processo de governança corporativa também muito relevante. 

E como funciona essa mudança culturalmente na empresa?

Eu acho que nesse processo as coisa mudam muito quando você sai ali de 10 canteiros de obras e passa para 60. Então, a entrada do fundo, a implementação desses processos, estabelecimento das rotinas, dos relatórios, foi fundamental. Acho que o grande desafio de uma empresa que nasceu um familiar e que passa a ser uma empresa de mercado, fica o DNA do fundador, ficam os princípios, os valores que são fundamentais. E talvez um dos grandes desafios culturais para todo fundador de uma empresa que toca a empresa até a entrada de um sócio financeiro, talvez essa separação seja um dos momentos mais difíceis, mais dolorosos, mas ele tem que acontecer. E por outro lado, talvez seja um dos momentos mais saudáveis do processo de desenvolvimento de uma empresa.

O que não mudou, em termos de valores, dessa história que teve tantos passos?

Eu acho que é fundamental para sobrevivência da empresa é que ela se adapte o tempo todo porque a nossa sociedade, a nossa realidade tem evoluído de uma forma extremamente rápida. Então a gente tem que ser uma empresa com escala, mas com capacidade e agilidade para mudar muito rapidamente, mas que não perca os seus valores e seus princípios. Adaptar a empresa às novas realidades que a gente encontra no mercado, no nosso cliente, nos processos construtivos, na forma de se vender o produto, não tem absolutamente nenhuma interferência nos valores e nos princípios da empresa.

Que valores são esses?

O valor fundamental é humildade. Em geral, quando a gente cresce a gente tende a ficar mais vaidoso, a gente tem que achar que a gente não erra, que a gente é imbatível, principalmente no mercado. E a gente tem que ter muito cuidado porque, em geral, os tombos são muito maiores quando você acha que você é invencível.

Como foi a definição de estratégia e qual é a estratégia de vocês?

O nosso setor é muito amplo e a gente tende a querer fazer de tudo, mas manter o foco é que efetivamente vai entregar e vai permitir que a gente seja eficiente, seja o melhor naquilo que a gente está fazendo. 

Já era segmento econômico desde sempre?

A gente sempre teve uma atuação no que a gente chama de médio padrão, sendo que médio padrão são produtos acima do teto do "Minha Casa, Minha Vida". E o segmento econômico também foi sempre muito relevante na Direcional. Agora a gente está vendo de novo uma perspectiva muito relevante do médio padrão voltar de forma importante. O processo construtivo nosso é o mesmo, a tecnologia é igual, o time de engenharia igual, o processo de financiamento do nosso cliente é o mesmo. Desde que seja um processo industrializado onde a gente sabe que a gente tem bastante competência e eficiência, vamos em frente. 

Isso passa para toda a equipe?

Tem algum algumas métricas que a gente adota que aparentemente não dizem muita coisa, mas que por trás tem um significado muito grande. Então lá na Direcional a gente a tem uma Olimpíada onde a gente coloca todas as nossas obras dentro dessa olimpíada. É, de certa forma, uma competição entre as diversas obras que a gente tem, onde a melhor obra é 10 e a obra que teve o pior item é a 0. Então é isso, são métricas simples que a gente adota, mas que fala muito sobre como aquela obra está sendo executada.

Com relação a estratégia de novas obras, como vocês estão na questão de regionalidade? Estando em 7 estados, como vocês veem o produto?

A gente opera em três estados do Sudeste e quatro estados que são fora do Sudeste, mas o Sudeste tem uma relevância bastante grande, talvez 70% do nosso volume de vendas vem do Sudeste. E a gente procura de canteiro com um certo volume mínimo de unidades porque, na nossa visão, a escala do nosso setor vem da escala que você tem em cada canteiro e não da empresa como um todo.  A gente procura ter 300 unidades.

Como a tecnologia veio para isso, da parte de canteiro? Como é que vocês vêm e estudam isso?

A nossa área de engenharia é, basicamente, dividida em duas. Então a gente tem a parte de produção, que é execução do canteiro em si, o cumprimento dos cronogramas e tal,  e uma parte técnica que está ali por trás provendo tudo que for necessário para que o canteiro altere sem nenhum tipo de surpresa. O projeto é fundamental nesse nosso negócio, então fica um time a parte trabalhando em tempo integral para que os canteiros integral para que os canteiros de obra não tenham nenhum tropeço. 

Como funciona a parte de terrenos?

Hoje a Direcional acredita muito no potencial de crescimento do nosso setor no Brasil, nesse novo contexto que a gente tem visto de juros baixos, volta da geração de emprego, daqui a pouco vem aumento de venda. Então, o fato da gente ter constituído esse banco de terrenos - hoje são aproximadamente 21 milhões de reais de banco de terreno,  foi constituído em um período de crise - é o que tem permitido a gente operar uma margem é bastante saudável. E, efetivamente, a gente procura adquirir esses terrenos via permuta porque o grande desafio no nosso setor, o que é imponderável, é o prazo de aprovação de um projeto hoje. Então, aprovação de um projeto e licenciamento ambiental são imprevisíveis. Então a gente procura casar a receita de um empreendimento com os custos daquele empreendimento e isso inclui o terreno. 

Tem alguma estratégia na permuta? Como funciona a negociação do terreno?

Isso varia muito caso a caso. Eu diria que é um dos processos mais difícil de se industrializar no nosso setor, que é aquisição de terreno porque cada proprietário é um proprietário, cada família tem os seus objetivos, tem suas necessidades. Agora, é claro que um proprietário tem que confiar muito na gente, o nosso nome a gente só tem um, então é fundamental  que a gente mantenha esse nome, essa qualidade, entregar o que a gente promete. Por outro lado, a gente também, numa permuta, permite que o proprietário participe de um momento único que a gente acredita que vai viver, que é de ganho de preço dos imóveis. Então, se a gente efetivamente tem uma maior manda e os preços sobem, como que ele proprietário de um percentual da nossa receita, ele também ganha proporcionalmente ao ganho no mercado.

E as faixas reguladas do "Minha Casa, Minha Vida"?

O "Minha Casa, Minha Vida" tem um teto. Hoje são, em São Paulo por exemplo, R$ 240 mil. O preço médio de venda do produto da Direcional está abaixo de R$ 170 mil.  Então a gente está muito longe do teto do "Minha Casa, Minha Vida". Talvez algumas pessoas uma visão equivocada do que é o programa "Minha Casa, Minha Vida", mas o programa "Minha Casa, Minha Vida" é um dos programas mais concorridos que existem no Brasil. E o recurso pelo financiamento do comprador, que vem do fundo de garantia, ele é dirigido para o comprador e o comprador escolhe de qual a incorporadora vai comprar o imóvel. Então a gente tem que ofertar para o mercado um produto diferenciado para o comprador nos escolher. Acho que é um mercado extremamente competitivo.

Como é, para você, a garantia depois da obra desses milhares departamentos da Caixa?

Hoje a gente tem mais de 60 mil unidades sobre as quais a gente está em período de garantia. Então, se a gente tem 60 mil unidades, onde a gente hoje está no prazo de garantia, a gente tem que ter executado essas unidades muito bem para que a gente tem um mínimo possível de retrabalho, de perda de retorno naquele empreendimento, porque é até muito mais importante do que o aspecto que nasceram em si, é a satisfação dos nossos clientes. No caso da Direcional, esse valor vai representar aproximadamente 1% do nosso custo de obra. 1% não parece um ser tão relevante, mas quando se pega o valor absoluto é um valor bastante alto. Agora, a perda de um cliente porque ele ficou insatisfeito com a empresa é essa é impagável.

Essa parte da comunidade, como funciona? Vocês se preocupam com essa transação da construtora para um síndico?  

Acho que é a manutenção desses empreendimentos depois de entregues é fundamental, a gente quer que os nossos produtos se valorizem, que eles sejam bem mantidos. Então, a gente procura sempre estar com uma administradora de condomínio, a gente nas assembleias traz uma administradora junto para que se tenha uma administração profissional e se mantenha a qualidade desse produto que a gente entrega.

Como você lidou com a transição da empresa do seu pai para você?

Foi extremamente natural, eu acredito que muito em função ali de 2007 para frente, quando a gente realmente teve um crescimento muito forte e trouxemos novos sócios para empresa. Como um houve um crescimento muito grande, eu naturalmente ocupei um certo espaço e na época meu pai se manteve na com foco nas áreas onde ele sempre teve uma proximidade maior. E depois, ao longo desses últimos 10 anos, foi muito natural e gradualmente eu fui realmente tendo autonomia, ele sempre me deu uma autonomia muito grande na empresa. Isso foi muito importante para que eu tivesse confiança, mas sempre ele me ensinando muito ali por trás. E a transição formal mesmo aconteceu agora, em fevereiro do ano passado, está fazendo um ano. Mas do ponto de vista prático, não mudou nada.

E como é o conselho da empresa nessa parte de governança?

Uma forma nossa de trabalhar também é sempre olhando longo prazo, a gente procura sempre chegar num acordo, sempre chegar a um consenso. E hoje no nosso concelho a gente tem três membros independentes, mas eu te afirmo que nunca houve uma decisão no conselho da Direcional que não tivesse sido tomado por unanimidade. E eu acho também que a gente tem um ponto positivo: como nosso setor é um ciclo muito longo, temos que ter no nosso conselho pessoas que pensam ao longo prazo.

Mudou muito esse processo de venda ao longo dos anos?

Mudou demais. O modelo vendas que a gente viveu, ali até 2014/15, quando começou a crise, mostrou algumas falhas depois. Então realmente, o modelo de vendas funcionou enquanto o mercado estava caminhando para cima em termos de preços, de geração de empregos e tudo, mas quando vem a primeira  crise foi um modelo que não parou de pé. Então, a forma de se vender hoje no produto Direcional, a gente vende e a gente só considera que aquela venda foi efetiva quando o crédito do cliente está aprovado pelo banco e o contrato de financiamento assinado. 

Qual é a visão que vocês tem do mercado país no presente? 

A gente tem uma visão extremamente positiva, o setor já está dando sinais nítidos de que está se recuperando e a gente acredita que esse movimento tende a se ampliar para o restante do país ao longo dos próximos meses. Na nossa visão, a oportunidade que está se abrindo é  justamente no segmento que ficou quatro ou cinco anos sem ter novos produtos ofertados por que são segmento onde não havia crédito.

Vai ter dinheiro do "Minha Casa, Minha Vida" para todo mundo fazer o que quer fazer, já que a demanda é praticamente infinita?

A grande diferença entre os dois segmentos é que no segmento de médio padrão, que hoje define o tamanho do mercado, é a demanda. No "Minha Casa, Minha Vida", o que define o tamanho do mercado é a capacidade que o fundo tem de prover funding. Se tem uma empresa crescendo, tem outra que está perdendo de certa forma o mercado. Agora, acho que fato da gente ter a construção dentro da Direcional e da gente ter nascido desse negócio de construção, a nossa engenharia tem uma relevância muito grande dentro da empresa. Eu acho que ter a engenharia dentro da empresa é uma segurança muito grande que a gente tem da qualidade do nosso produto, da execução e entrega no prazo para o nosso cliente e do custo. E em um cenário aquecido, como o que a gente está vivendo em São Paulo, isso, na minha visão, vai fazer toda a diferença para que a gente continue entregando resultados diferenciados. 

Como é sua rotina? O que te inspira?

Eu adoro esporte. Ultimamente, o que eu tenho conseguido fazer mais é correr porque dá para fazer sozinho, você só precisa de um tênis, então onde eu vou levo um tênis e corro. 

O que te motiva? Algum livro, filme que te motiva?

Todo fim de ano, tem algumas gestoras que um determinado momento foram acionistas nossas, ou pelo menos estiveram próximas da gente, que nos mandam livros. Tem um livro, eu estou inclusive lendo, bastante interessante, tenho gostado muito, que chama The Most Important Thing, que é do Howard Marks. Não tem nada a ver com o mercado imobiliário, com engenharia, é muito mais a parte de mercado de capitais, mas para mim tem sido bastante interessante.

Que conselho você daria para os mais jovens? E  que conselho você daria para os mais jovens que trabalham em empresas familiares para ter uma história tão sem fricção?

O mundo tem mudado muito rápido. O nosso cliente tem mudado muito rápido. E não é que a gente tem que mudar e pronto, acabou. A gente vai mudar o tempo inteiro daqui para frente, a gente tem que se adaptar a essa realidade o tempo todo. Isso é ótimo porque a geração mais jovem tem uma facilidade muito maior de mudar, ela quer mudar muitas vezes é protagonista das mudanças. Acho que os mais jovens que adoram mudanças também tem que ter uma resiliência muito grande e saber que o caminho que eles estão construindo, apesar de haver mudanças ao longo desse caminho, ele é feito um dia depois do outro, eles não podem eles não podem desistir no primeiro obstáculo, eles não podem mudar na primeira decepção - que eles vão ter várias ao longo desse processo. 

O que você teve que se desapegar nessa nessa jornada?

Eu adoro o que eu faço. Então, para mim não é sacrifício fazer o que eu faço, não é sacrifício estar cada dia em um lugar, eu acho é muito bom porque me acrescenta. Então, eu diria que, efetivamente, talvez eu tenho desapegado de hábitos, por exemplo, de esporte que eu adorava e que hoje eu não consigo mais fazer porque eu não estou em Belo Horizonte todos os dias.

Alguma mensagem final?

Acho que a mensagem que deveria ficar é que estou aí bastante otimista com esse momento. Por o outro lado, mais uma vez, não tem nada fácil, você tem que estar sempre  preparado para os imprevistos, para contornar o que tem que ser contornado, mas continuar sempre nessa direção. Então, com muita resiliência,  não desistir de forma alguma porque tem momentos mais difíceis que depois são sucedidos por momentos muito positivos. E se a gente desistir nos momentos mais difíceis, a gente não vai estar preparado para aproveitar esses momentos mais promissores  que estamos iniciando agora.

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