Patricia Anastassiadis: arquiteta que busca inspirações em diferentes culturas

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No décimo episódio da série, conversamos com a arquiteta Patrícia Anastassiadis, diretora do escritório Anastassiadis Arquitetos, desde 1993.

Patrícia cresceu com o barulho das máquinas de costura na empresa de confecções de seus pais, em Bom Retiro, São Paulo. Isso a fez pensar em cursar moda, mas preferiu seguir os conselhos da mãe e acabou estudando arquitetura, na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Seu primeiro escritório, na varanda de sua casa, abriu portas para projetos que foram fundamentais em sua trajetória profissional. Um de seus primeiros projetos foi o restaurante Filomena, em 1994, responsável por grandes conquistas em sua carreira.

A arquiteta foi ainda responsável pelas reformulações dos hotéis Tivoli e Ca’d’Oro, em São Paulo, e pela construção do Hilton Barra, no Rio de Janeiro.

A profissional, que se inspira nas ideias do filósofo Alain de Botton, gosta de preservar a identidade da região onde executa os seus projetos, criando peças com elementos locais.

Em seu escritório são desenvolvidos projetos de arquitetura e design de interiores para as áreas comercial, corporativa, hoteleira, empreendimentos imobiliários e entretenimento. Nesse contexto, a empresa já desenvolveu projetos para marcas conhecidas como Four Seasons, Oetker Collection, Fairmont, Ritz Carlton, Hilton, Grand Hyatt, Sisley, Jean Georges Vongerichten, entre outros.

Ficou curioso para saber um pouco mais da história de vida e projetos da arquiteta? Confira a transcrição da entrevista completa abaixo.

Agora a gente quer ouvir um pouquinho da Patrícia.

Você conhece a minha família e eu estava até comentando hoje de manhã, numa reunião, que parece que a palavra Família está fora de moda. Toda vez que vai falar de família, alguém fala que é careta, é retrógrado, é conservador, mas não é nada disso. Eu acho que a base mesmo é aquilo que você consegue receber e aprender, e eu acho que eu e o Eudoxios, a gente tem uma sorte enorme. Eu agradeço todos os dias por isso de termos pais que realmente nos deram aquilo que a gente conseguiu depois transformar e de certa forma, até perpetuar. Eu comecei arquitetura no Mackenzie, mas citando pouquinho da nossa história, eu queria trabalhar com moda, nossa família está na área de moda, minha mãe faz estilo e eu não imaginava fazer arquitetura. E quando chegou o momento de fazer essa escolha profissional, não existia faculdade de moda no Brasil na época, ou era no Japão ou em Londres ou em Paris. Meu pai falou primeiro na faculdade aqui no Brasil, um diploma e depois você sai. E aí eu entrei arquitetura, eles me orientaram nesse sentido, por isso que eu falo que é sempre importante essa questão da família, esse direcionamento, e eu entrei na faculdade e aí realmente não quis mais saber da moda. Então eu cooptei meu irmão mais novo, um talento, já tinha entrado na Getúlio Vargas e tinha uma carreira promissora como executivo de alguma grande companhia, mais administrador, mais economista. As matérias são só relacionadas à estética, a linguagem e tal, mas não necessariamente conseguem converter o talento que ele tem, em negócio. Então, você vê a profissão de arquiteto no Brasil não sendo uma profissão, de certa forma tão valorizada quanto é na Europa nos Estados Unidos.

Onde é que pegou você, Patrícia, a arquitetura? 

Foi no meio do curso que eu comecei a não só ver que arquitetura é uma relação direta com o ser humano, então eu sempre gostei de antropologia, de filosofia e sociologia. De certa forma, a arquitetura tem um lado simbólico, tem um lado extremamente importante, e eu consegui vivenciar isso, até um pouco do lúdico dentro da faculdade, mas me despertou para muitas questões. Eu me formei e um mês depois, logo na minha formatura, eu estava numa loja provando uma calça e no provador do lado tinha uma pessoa que eu conhecia, que falou que iria abrir um restaurante e perguntou se eu não queria ser a arquiteta. Era no restaurante Filomena que o Alex Atala veio a ser o chef. O dono do restaurante era o Roberto Suplicy, que era dono do bar Supremo, super conhecido na noite de São Paulo. E eu conheci a Roberta, filha do Roberto, que tinha a mesma idade que eu na época, era um pouquinho mais nova 1 ano 2, e ela me conheceu assim junto com as outras duas sócias. Aí ele delegou a ela, naquele momento, a escolha do arquiteto. E ela chegou lá e falou "pai, eu já tenho um arquiteto". E ele respondeu "nossa, que bom fico mesmo é quem?" Ela disse "é Patricia Anastassiadis." 'Aí ele olhou com uma cara de interrogação e perguntou "Eu não conheço, o que ela fez?" e ela disse  "é a irmã do Eudoxios, ela não fez nada". Diz que teve uma briga na casa. E aí, a Vera, que é a esposa que eu gosto muito, aliás, é um casal que eu gosto muito dos filhos e tal, a Vera falou, isso ela contava na época, "não, chama ela. Não vamos fazer dessa forma, chama ela para apresentar o projeto que quando ela apresentar, a nossa filha vai ver o ridículo." Quando eu fui apresentar o projeto, deu o contrário. Então o meu primeiro projeto foi um restaurante que explodiu em São Paulo e dali eu não parei nunca mais de projetar. Uma cena épica foi que eu tinha 22 anos de idade e o engenheiro que era responsável pela obra, me culpava de tudo. Um dia ele abandonou a obra e foi morar em Ibiza. Foi uma coisa meio dramática, e aí eu toquei a obra até o final. Aí um dia, eu estava no meio na obra, um pó, uma cena meio épica, e aí eu vejo sol entrando, aquele pó levantando, e eu vejo uma sombra. Era o Ruy Ohtake vindo visitar a minha obra. Aí ele falou que veio dar uma olhadinha no projeto, o Roberto pediu, perguntou se eu podia mostrar. Só que eu tinha o meu caderninho, porque eu desenvolvi uma forma própria de apresentar, nunca trabalhei para ninguém para mim era muito mais os croquis, os desenhos, as plantas. E aí o Ruy Ohtake olhou e disse que estava muito bom, muito legal e quis saber se eu me apresentava assim sempre. E aí foi interessante porque o Filomena abriu e recebia 9 mil pessoas por mês, é um público que alguém vai gostar da arquitetura. E não deu outra, eu recebi um telefonema um tempo depois. Foi do dono de um banco e que me chamou para fazer uma reunião, que tinha ido ao Filomena e tal. E aí eu fui fazer essa reunião, ele o olhou para mim e deve ter me achado uma cara de menina, aí ele falou "olha eu queria ver seu portfólio" aí eu falei para ele "pô, o meu portfólio, você já viu, é o restaurante." Ele me olhou com uma cara de decepção assim, e falou "desculpa, mas não vai dar para a gente fazer esse projeto, porque na realidade eu tenho um banco e você só fez um restaurante". Eu falei que ele tinha razão, mas que quando eu fiz o restaurante, nunca havia feito nenhum restaurante, e que eu achava que tinha condições de fazer o banco. Aí eu fiz um banco que depois gerou um outro banco e assim sucessivamente.  Então, acho que na realidade, eu não tinha medo. E um projeto foi puxando o outro, e aí eu me identifiquei muito com esse viés comercial, de projetos comerciais. Porque quando eu fui fazer o residencial, acho que pelo fato de ter 22 anos e meus clientes terem 45/50 na época, eu era muito nova e não sabia lidar, emocionalmente, com as pessoas discutindo na minha frente, o que é natural quando um casal vai fazer uma casa, mas eu achava aquilo podia ser uma separação. Todos os dias tem telefonemas de pessoas que fazer em casa, agora eu fui aceitar, depois de 25, 20 e poucos anos, porque realmente existe uma amadurecimento, que você, ao longo da vida, vai entendendo e conhecendo. É que o mercado imobiliário é bem rígido,  e bem focado em um modelo já quase pronto e sendo repetido ao longo dos anos, da mesma forma. Era muito difícil, foi um pouco mas depois disso foi introduzido um olhar que também revela uma outra forma de morar.. Eu fiz um empreendimento na Vila Carrão, e o valor de metro quadrado não era um valor que conseguia atingir o que era necessário e eu acho que aquilo foi muito mais um marketing. Eu acabei trabalhando ainda um pouco mais desse viés também de mercado, de entendimento de mercado, do que o próprio projeto, porque eu não participei no projeto, a arquitetura não era nossa, mas tinha uma inspiração em marcas importantes. No final, eu acabei indo para a incorporação porque muitas vezes eu recebi projetos com os quais eu não concordava. Era um modelo pronto, que eu tinha que colocar um laço, aquilo começou a me fazer mal, fisicamente. No momento, eu achei que estivesse participando de algo, eu realmente achei, mas eu vi que eu não estava participando. Eu apenas assinava algo, mas eu não conseguia participar daquilo.

A gente pode falar também, um pouco, talvez do repertório de interlocutor. Você está querendo vender uma coisa e as pessoas não alcançaram, talvez. Você acha que isso mudou?

Então, eu acho isso muito interessante, porque a única coisa que poderia ser diferente, melhor, é o seguinte: a criação é o doce, é a coisa mais gostosa que tem. E como é que isso funcionava? Porque as indústrias DOS familiares, assim como a incorporação imobiliária que também eram empresas familiares, e muitas ainda são. Em julho viajam com as crianças para a França e lá a família vai tirando foto dos modelos. Então, trouxeram conceitos ou situações. Mas a pior coisa é copiar. Eu me afastei, então, acho que no mercado que eu admiro, respeito e trabalho, eu também vi isso. Ninguém nasce sabendo, o bacana nessa vida é que a gente aprende e a ideia é que a gente evolua. Agora, ter o mesmo discurso de 15 anos atrás, ainda discurso falho, aí não dá. As pessoas ficam "mas eu gosto do seu trabalho, eu comprei porque eu me apaixonei pelo trabalho que você fez, a delicadeza, composição, mas quando eu cheguei lá, não era aquilo". Aí eu peço desculpa, apesar de eu não ter responsabilidade, mas eles não executaram o meu projeto. Isso não foi uma vez só que aconteceu e também me motivou, porque a chancela todo mundo quer, a assinatura todo mundo quer, realizar aquilo que foi pré-aprovado, ninguém quer. Então, quando eu entrei na incorporação com meu irmão, foi um dia meio dramático, que eu fiquei triste, chorei falei  que não queria mais brincar disso, não queria mais ver nenhum desses projetos na minha frente, eu não sou chiliquenta, mas eu fiquei realmente mal. Esgotei. Primeiro que eram os mesmos prédios, só mudaram os terrenos, porque vou te falar que o arquiteto, ele tem uma responsabilidade, não é só civil e criminal, agora é social. A gente constrói uma cidade. Então assim, pensar a cidade de uma forma mais ampla, não só o meu lote, o meu jardim, a minha, o meu, e a gente é muito individualista. Então, eu acho que hoje em dia está muito melhor.

E tem essa coisa da interação com a cidade, essa, coisa das praças, da utilização de uma cidade com mais fruição das pessoas ocuparem as cidades com mais alegria...

Então, esse é o ideal, mas é uma cidade é difícil. É uma cidade que, para você caminhar tranquilo, para você usufruir da cidade, como você vai na Europa e você adora estar lá, anda tranquilamente e não se preocupa com nada, por isso que você não precisa de tanta coisa. Aqui em São Paulo, as pessoas não conseguem utilizar a cidade da forma apropriada, ou gerar mais situações de conforto. E as calçadas, eu nunca vi porque a gente tem que ter um pedacinho de calçada diferente na frente de cada prédio. Não existe, é uma colcha de retalhos. E aí eu olho para isso e falam "não, não sou individualista". 

O Marcelo estava comentando sobre as comunidades dentro dos bairros, que está  criando essa casas antigas desocupadas. E qual é a sua solução para isso?

Essas casas para alugar, vão aumentar. Temos que ver se é possível fazer um desenvolvimento onde a gente imagina idealmente que essas casas pudessem ser divididas como um apartamento que as pessoas pudessem morar. Qual é o problema de compartilhar um espaço que tem regras, como tem condomínio, bem organizado? Então existem alguns pensamentos ainda que precisam ser alterados, a cidade precisa abrir uma lupa e não é "um tamanho serve para todos", tem que fazer uma análise caso a caso porque os bairros são diferentes. A gente tem essa questão  que todos somos iguais, mas nós temos vontade e momentos diferentes.

O que você fez, então, tem a linha Ornare, depois tem a linha Artefato...?

Há 10 anos atrás, o Murilo da Ornare, veio aqui para eu fazer o showroom e eu perguntei como está a indústria dele. E ele respondeu "tá difícil, muita competição, todo mundo agora tem os maquinários de ponta, tem indústrias grandes". Aí eu falei que queria desenhar para ele e ele falou "Deus me livre, arquiteto não entende nada de indústria, Patrícia, nada, não adianta vim falar que vocês tem umas ideias sem pé nem cabeça". E eu falei "então vou fazer o seguinte, eu vou desenvolver e eu te mostro". Quando eu montei e mostrei ele falou " como é que você fez isso aqui"? A partir daí, ele  abriu muito a cabeça como também industrial e tal, a desenvolver linhas autorais. E a partir dessas linhas, ele foi para os Estados Unidos, porque não adianta você ir para o mercado externo competindo com o mesmo design. Ganhou alma, e a coleção que eu fiz chamava Anima, que é alma. Realmente, a arquitetura tem uma beleza, a hora que você olha para um terreno, a hora que você entende da onde está vindo o vento, não dá para você ir lá e querer colocar um bloco que você já fez você. Aí eu desenvolvi a Ornare por alguns anos, fiz linhas que foram extremamente bem sucedidas, e depois, tocando projeto de arquitetura, o meu divertimento era fazer o design, os final de semana em que às vezes eu estava lá e desenhava. E eu conhecia a indústria, e eu amo indústria. Meu pai tem uma indústria têxtil, trabalha com moda e eu gosto de fábrica, o que não é muito natural. Eu gosto muito de ver o processo de produção, de conversar com as pessoas da fábrica porque sempre tem uma forma diferente de se fazer. E provocando as pessoas que você vem com produtos novos. Então, acho que dentro desse processo criativo, uma das coisas que mais me motiva, é fazer cruzamentos ou de indústrias ou pegar um pátio do mercado e conectar com uma outra coisa, eu acho que essa colaboração que hoje é muito atual, o processo colaborativo, teu entendimento...  Na indústria da moda um colabora com o outro. Acho que a indústria da incorporação ainda é muito fechada, as pessoas não se conectam muito. Existe uma coisa que o belo, quando a gente fala hoje dessa questão do belo, em função do que a gente vive no mundo, dessas questões políticas, sociais. Quando a gente fala de beleza, não é uma perfeição, mas é uma harmonia. Como uma música que você vai escutar e sabe uma nota dissonante ou não. Eu acho que a cidade deveria ser tratada como uma música com uma melodia. Dá para você criar. Então, hoje as pessoas querem pular muito as etapas e eu não acho que isso é algo que vai dar frutos positivos. 

Agora, já falamos de muitas facetas e tem também a Patrícia dos hotéis, um lado menos conhecido no mercado imobiliário. Como é isso?

Na realidade, acho que nosso escritório hoje no Brasil, dentro dessa área, é um dos mais preparados senão mais preparado para atender grandes bandeiras internacionais, projetos complexos. Hotelaria é o outro bicho, não é uma casa, não tem nada a ver com casa, não tem nada a ver com você só ter bom gosto. Então, é um processo complexo, aquilo que você vê não é só um local bonito, ele está cercado de uma série de regulamentações e situações, e eu tento criar delas um pouco ou criar situações.

E é difícil isso, eu lembro da sua decepção quando apresentou o quarto do Club Med para os franceses. Para quem não sabe, O TerraVista de Trancoso é referência do Brasil, então, ela fez no meio do nada o quarto.

Sim, no meio do nada, utilizando pessoas do local, porque acho que a maior questão da sustentabilidade, para você realmente fazer algo sustentável, é você engajar as pessoas do local, inclui e fazer um desenvolvimento que local se desenvolva também, não só que entre um óvni e desça ali. E construir o Med, naquele momento, era difícil porque Trancoso não era delicada e o Med tinha uns 250 quartos. Então o que aconteceu, naquele momento, o Med havia gostado muito do meu quarto, mas um dos investidores resolveu que não era aquilo e na hora eu fiquei sem apoio do meu cliente, porque o dinheiro ganhou. E o dinheiro, vou dizer ele ganha ainda em 80% dos casos. Agora, eu tenho mudado isso  ou me afastado de algumas situações, se eu não posso mudar eu me afasto.O da Oetker Group é um grupo alemão, dono de lindas propriedades da Europa, e eu fiz esse trabalho do Palácio Tangará para eles e realmente gostaram muito e me chamaram para fazer esse projeto que é na frente de Antígua, numa ilha particular, onde eu fiz todas as áreas públicas, spa e tal, e agora me chamaram para um projeto icônico. Eu ganhei da concorrência. Fui chamada para um projeto onde são 5 escritórios, um nosso, dois na Inglaterra, um da França e dois dos Estados Unidos, mas muito muito renomados na área de restaurantes e tal. E eu fui para apresentação na França e uma hora da apresentação, o meu irmão abre assim e começa a ler o currículo dos concorrentes "Nossa, olha esse aqui. Esse aqui eu contratava". Então, na verdade, a gente dá muita risada junto, chora junto e se diverte junto, mas foi uma vitória muito importante para o escritório. Somos periferia na situação, com o que está acontecendo no mundo, você está em São Paulo, está longe geograficamente.

Hoje você tem um escritório com 60 pessoas. O que na concorrência fez o diferencial para você, como ganhou deles?

Eu escutei isso da proprietária, eu escutei deles, o que fez a diferença foi a forma como eu entendi o local, porque o meu projeto ele não tinha vontade de impor - eu respeito muito quem trabalha, tem um estilo, então, é uma forma de trabalhar, eu tenho meu estilo e eu posso estar aqui eu posso estar em Antígua, posso estar no Marrocos, eu vou fazer o meu estilo que é o x. Eu tenho uma forma de trabalhar que sempre foi diferente, eu gosto de entender o local, eu preciso entender a história. Se eu pegar esse projeto colocar em qualquer outro lugar, ele não vai funcionar. É uma identidade que mistura aquilo que eu conheço, as minhas memórias, a forma como eu idealizo com as memórias do local. No projeto do Palácio Tangará, eu tenho uma narrativa de projeto que é minha eu te conto exatamente o porquê de cada coisa, não tem aleatório, não coloco uma obra de arte porque eu acho que é bonitinha, ela tem uma relação com uma história que eu estou contando lá. Talvez faça sentido para alguém. As pessoas não sabem, mas ela sentem.

Vamos falar um pouquinho de sustentabilidade, como que está presente nos teus projetos e talvez um pouco de tecnologia.

Tenho procurado, óbvio que não vem só da minha parte, tem que ter o outro lado, mas eu acho que o arquiteto sim tem uma responsabilidade enorme dentro disso. Eu vou te falar o que eu acho que sustentável, você criar um projeto onde a pessoa não precisa de demolir tudo, porque eu lembro que também um amigo nosso um dia me contou que a nossa indústria é mais poluente, porque na hora que terminar uma obra, tem 30 caçamba no dia seguinte, todo mundo entra para quebrar tudo. Tem uma questão que é maior, que é você não ter o desperdício, me incomoda desperdício. Outra coisa, desenvolvimento de fornecedores. Então, como é que você faz isso, chama a pessoa, desenha um produto junta, com uma indústria, uma empresa que vai vender isso, então esse trabalho eu acho que é importante porque você pega uma pessoa que tem um talento e junta com a indústria que tem o volume e desenvolve uma coisa junto. 

Você é muito jovem, mas viu muita coisa, começou bem jovem. Tem já uma história com grandes histórias, tanto na parte de decoração, na parte de desenho, de arquitetura, agora de incorporação. 

Eu amo o mercado, vou te falar, não é que eu amo o mercado imobiliário, eu amo a arquitetura. E não só amo a arquitetura, amo outras coisas, não sou uma arquiteta que vai falar "eu sou uma arquiteta", não gosto nem de falar disso. Sou ser humano, fiz arquitetura, mas tenho vários interesses que se relacionam. 

Como você vê a mulher no mercado?

Eu fui criada igualzinha ao meu irmão. Eu fui muito bem tratada pelo meu pai, amo meu pai e minha mãe igual, mas não teve essa diferença de capacidade masculina ou feminina. Nunca tive isso, então eu não senti, porque nunca houve esse tipo de situação dentro da minha casa. Quando eu cheguei no mercado, essa palavra "empoderamento" ela me arrepia um pouco a espinha porque ela está sendo usada de toda forma, então eu me confundo, então, eu não sei o que é isso. Existe uma coisa da natureza. Você vai na faculdade Mackenzie, vai entrar na engenharia, há 20 anos atrás tinham poucas mulheres fazendo engenharia. E falar que a mulher não tem capacidade, tem, mas não escolheu por N razões, porque de repente não gosta tanto. Lógico que eu, na minha época, fazendo arquitetura escutei do Victor Reif, um arquiteto, já falecido, que falou para mim e para outra "por que você não vai lavar roupa"? Eu saí rindo e a outra saiu chorando. Achei aquilo bizarro, agora, depende como você recebe isso. Lógico que, no mundo masculinos negócios, até porque historicamente a mulher ficou muito mais dentro de casa do que fora, quando a gente parte, a gente parte com atraso, natural também. Não por falta de capacidade, mas você está em outra situação, então até você se movimentar para um ponto, leva um tempo.

Do ponto de vista do mercado, como é que você o futuro do mercado? Com essa nova taxa de juros, toca o telefone?

Olha, toca mais do que eu consigo absorver e atender. Eu acho que a crise depurou. E eu acho legal porque what doesn't kill you, make you stronger. Se você não foi nessa onda, você vai sair mais forte de alguma alguma forma. Eu acho que o mercado como um todo sai fortalecido, pelo menos do entendimento do que é real e do que era saco de pipoca vazia, tinha ar lá dentro. Acho que naquele momento, muitos incorporadores não conseguiam pensar de outra forma, muitas empresas de vendas não tinham entendimento, todo mundo amadureceu.

Você sente que está tendo uma renovação da arquitetura? 

Eu acho que houve através da Zarvos. Eu acho que a forma como ele trabalhou o mercado foi bacana, porque aproximou arquitetos que não necessariamente trabalhavam diretamente no mercado imobiliário, fazendo projetos interessantes em determinada região. Eu vejo isso muito de uma forma muito positiva, porque também, os arquitetos que eu gosto, perderam um pouco medo do mercado imobiliário. Então, o que é a melhor coisa, é um diálogo. Acredito, posso estar sonhando e viajando, mas que é um ciclo que vai aproximar mais arquitetos que tem muito a contribuir para a cidade - não vou falar mercado, toda vez que fala "mercado" também arrepia a espinha de metade dos colegas da arquitetura - mas para a cidade. 

Qual é a dica que você dá para os jovens que estão começando na carreira?

 Isso é legal, estou pensando muito nessa questão da geração e eu vejo nessa geração é uma capacidade de receber informação infinita, por essa questão do celular, estímulos. Eu iria sugerir para os jovens em realmente tentar vivenciar a experiência, tentar realmente entender aquilo que eles estão fazendo. Eu acho interessante falar assim a arquitetura brasileira, o que é a arquitetura brasileira, realmente? O brasileiro ele é um caldeirão de diversidades, que é nosso ponto positivo de convivência pacífica. E como é que reflete isso dentro do projeto? 

Como vai ser o futuro? Você acha que esses passos foram todos planejados ou foram realmente acontecendo?

 Não, não foi nada planejado. Realmente é orgânico e muito é intuição, um pouco desse instinto. Eu sei que ter o escritório arquitetura não é fácil,  muita gente aventura em ter o seu próprio escritório. Então, não é todo mundo que pode ter o seu próprio escritório, e é difícil ter. E eu não acho problema algum você buscar alguém que você tem uma empatia e uma intenção, e realmente colaborar e contribuir. Enfim, eu acho com relação ao futuro, eu vivo um dia de cada vez.

O que te inspira? 

 Ã“bvio que eu sempre falei d'O Poder do Mito, de Joseph Campbell, foi um livro quando eu li aos 17, meu pai falou para eu assistir um documentário com o Bill Moyers, eu tinha 17 anos e sentei na televisão. Tive uma epifania, acho que ele olhou para mim e perguntou "o que está acontecendo?" e eu não sabia. Dali, minha cabeça virou e eu busquei, a partir daí, tentar entender aquela pergunta "o que eu sou, o quê estou fazendo aqui, para quê isso tudo serve", então, você falou uma coisa de humildade, eu não sei se a palavra é "humildade" ou não, mas é realmente você entender que isso é uma passagem. E eu acho que falta o diálogo. Então, acho que se a gente pudesse olhar para cidade, eu sonho mesmo, sentar um dia numa mesa e falar "vamos construir essa cidade, ou vamos tentar trabalhar nessa cidade juntos?" E aí você vai falar que isso não existe. Não existe porque a gente não fez.

Separamos para você mais esses episódios:

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